Colheita

Deixei-te malvas e alfazemas em preservação no cerne misterioso e trágico das coisas, onde a noite passou a cair mais lentamente. Germinaram, sim, mas fragilmente, nas ruínas de tantos diálogos ceifados pelo meio, bebendo diariamente as sombras que saem da voz dos poetas que ligam o céu à terra.

Hoje regressei para as colher. Caminhei a medo por onde agora tremulam as luzes e se erguem vigas húmidas para lá das janelas. Mas não há um rumor de chuva.

Colhi-as sem as ver porque agora só confio nas minhas pálpebras fechadas. Estão frágeis.

Faço para que não se partam.

É sempre tão frágil a natureza morta do amor.

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