Compostagem
Aflora-me a sensação de que os passos adquirem contornos cada vez mais imprecisos à medida que descemos a avenida pelo lado certo da verdade. Perfeitamente alinhados, os bastões de cimento perfilam-se, projectando no asfalto empoçado por resíduos alheios aquela incandescência débil que se faz e refaz continuamente ao redor de todos os jardins deste verão ou de outra primavera.
A tarde é quente e cinge na sua órbita os limites de uma cidade podre, mísera e tacanha. A que acolheu os de imaginação pródiga que juravam ter sido matéria singular e falharam, os que exilados pelo mundo da esperança, tornaram a falhar.
Desprende-se das pálpebras, furiosa, trancando minuciosamente as portas espigadas da manhã que acordou doente, moribunda e cansada, diante da morte de todos os que fizeram calar a rigidez das palavras logo ao acordar. Palavras agora trôpegas pelo peso de tijolos empilhados, golpeadas e privadas de uma armadura à prova dos céus.
É a premissa essencial do procedimento: programar a erupção dos danos colaterais sem culpa. Silenciando todas as mãos, pedindo ao medo que nos dê dispensa e um farrapo ausente de cor para cobrir a trincheira.