Escadaria de Cristal
O sossego, agora, é translúcido e infiltra-se como um murmúrio nas ranhuras da consciência.
Desloquei-me sem destino definido, guiada por esta lucidez insana.
No caminho descobri que o pensamento, quando demasiado nítido, se torna um cárcere. Edifiquei escadas de cristal, frágeis na estrutura, mas sólidas na ilusão. Do último degrau olhei para dentro do espelho, e nele percebi formas que não eram minhas: os reflexos alterados, as memórias desmaiadas com a ajuda do tempo. Não eram rostos, mas os traços esbatidos que desenhavam gestos antigos.
O passado, sempre à espreita, inscrevia mapas em que os caminhos não levavam a lado nenhum. Quando os ponteiros se recusam a avançar, a mente dispersa-se no supérfluo: cartazes rasgados, calendários vazios mudados ao sabor de vontades alheias. O tempo, dizem, pertence a quem o governa.
Mas e quem o sente?
As memórias são fantasias que se recusam a adormecer. Gritam por mim de um lugar onde as palavras ainda não se desgastaram.
E então, toco.
O gelo cede, evapora-se. O fogo e a água encontram-se, dissolvem-se um no outro. Há olhos que não pedem. E um gesto, quando pleno, transborda o que nem todas as palavras conseguem conter.
O tempo afasta, arrasta consigo a forma das coisas. Mas há memórias que se recusam a tornar-se rescaldo do inferno ao redor dos pinheiros.