Anjo Ausente
Já tinha o poema guardado na gaveta,
o peso das palavras alinhado
como quem tenta segurar o vento
num punhado de dedos mansos.
De repente, tudo se desfaz,
tudo desaba:
a ideia inteira escorre-me
pelas asas de estrofes,
uma mancha seca de pressa,
um rasto rubro daquilo que nunca chegou a ser.
Tu, meu anjo ausente.
Tu, meu anjo longe demais para me ouvir.
E eu aqui, a balbuciar versos mudos,
a tentar fazer da solidão escura uma canção.
Mas o que nos sobra hoje, afinal?
Se os fragmentos ja não encontram
o caminho de volta à nossa casa de seda
Se o ar já não aceita as palavras
que inventámos à luz da Lua?
Elas não são mais que pedras,
roladas, moldadas, lapidadas
pelos que idealizam outros mundos
com a língua.
Gente que não é como nós,
que prefere trocar verdades por brilhos,
que mente com o descaro
de quem chama arte ao engano.
que talha o silêncio,
que finge que esta cadência
é mais eterna que a própria vida.
Ela, que nos finda a história,
entregando-nos o vazio entre o que foi dito
e o que os poetas, iludidos
entre metáforas e feridas,
se esqueceram de contar
nos mais bonitos dias de sol.