Cabana em ruínas

Construíram-te uma cabana em ruínas no peito já esfacelado, feita de paredes que rangiam ao toque mais ácido. Numa infância sem margens, com rios providos de algo que nunca chegou a ser inteiro, a correrem para lado nenhum. Cabana de abandono, colada ao tempo ingrato, um lugar onde os dias se repetiam sem luz, e as vozes que habitavam cada canto mantinham o peso de quem nunca soube o que é sussurrar.

Hoje construo-te um refúgio de areia fina, que se demora onde as memórias cansadas podem finalmente beber o harmónico movimento da evolução, tocando nos escombros com a ternura das minhas próprias mãos. Que agora não te ferem. Que te protegem.

Sorris-me e devolves-me o céu.

Aquele que se refugia no olhar. Que se espelha em ti, onde o sol se declina e pousa tão suave como um dente-de-leão, inscrevendo-te na pele confidências inaudíveis, vestígios de liberdade que só as ondas do nosso mar serão capazes de traduzir, cada letra afagando os fios que se agitam no teu cabelo.

Enquanto me sussurras um poema, bem junto ao ouvido, vou adormecendo no lugar mais fundo de mim, esse espaço sombrio onde nunca soube navegar sozinha.

Anterior
Anterior

Anjo Ausente

Próximo
Próximo

No rumor sereno das ondas