No rumor sereno das ondas

O enlace das almas acontecia com a naturalidade das raízes que nunca haviam conhecido outro solo. Era sempre à noite que o mundo se tornava nosso, o palco onde o amor dançava graciosamente, sem pressa, à mercê das pedras nuas, escancaradas na paisagem cinza virada para o mar.

Enquanto o silêncio ocupava os espaços vazios e o luar encharcava sem tempo o deserto das ruas, caminhávamos lado a lado, sob um bordado de estrelas, na melodia dos segredos que falavam mais alto do que qualquer um dos nossos poemas.

Mas esse mesmo tempo foi cruel connosco.

Se hoje ainda te procuro, é no intangível que te encontro: no espaço entre uma palavra minha e um sinal teu, no intervalo das lágrimas, no epílogo de uma carta enterrada nos jardins. No vento de feição que acaricia o rosto, nos diálogos das árvores que, pelo meio, cantam o teu nome. Ou no voo das aves que pintam o céu e se desfazem na distância, no rumor sereno das ondas que nunca mais será o mesmo.

Ainda te sinto aqui. Todos os dias.

E recordar-te é tocar de mansinho o espírito que não se deixa prender, é viver numa casa feita de cinzas e luz que ainda pulsa com retalhos da vida que aqui deixaste para viveres através de mim.

Quando fecho as pálpebras, encontro os teus lábios, tão leves como o orvalho mais suave da manhã, eternos como o amor que se esqueceu de se despedir convenientemente. És a sombra no meu ombro, o calor que permanece no peito, o beijo relembrado como a lembrança da andorinha no parapeito da janela.

É na vastidão onírica que te reencontro. Do outro lado do véu, que se desfaz a cada sonho perante o encontro do olhar. E, apenas por um instante, o Universo cala-se para que possamos existir apenas um no outro. Sinto-te. Comigo. O teu toque volta a ser real assim que os teus dedos alcançam os meus.

Suaves. Meigos. Como sempre foram.

“Eu ainda estou aqui…”.

Abraço-te como se o Universo se visse a dissolver. É o toque cálido de quem sabe que o tempo não se dilui, apenas se transfigura. Os teus braços envolvem-me novamente, como a terra que abraça a semente, como a noite que envolve a reclusão antes do amanhecer.

Somos eternos. Porto seguro onde a alma encontra a paz absoluta.

A passagem dos segundos em minutos curva-se para nós enquanto a saudade, esse outro nome do meu erro mais bonito, passa a florir naturalmente, entrelaçando-se e adormecendo nos lugares mais ermos do coração.

E repito isto como uma oração antes de adormecer. A certeza cravada em cada pedaço de mim…

O nosso amor nunca nos morreu.

Anterior
Anterior

Cabana em ruínas

Próximo
Próximo

Num único verso