Num único verso

Fui ter contigo à praia,

à hora em que o sol

incendiava a falésia,

restos de lume brando

a inflamar o silêncio.

As tuas mãos, hesitantes,

caberiam inteiras

nos meus ossos,

num toque áspero de sal.

Deixava- me cair no murmúrio do teu corpo,

bebendo de um trago o céu do teu olhar,

o sabor da maresia antiga e familiar

que sempre dissolvia em nós.

O que a metáfora fantasia e o paladar aprende

Era o mar a habitar-te,

a corrente imprevisível

a arrastar-me contigo

enquanto o céu se abria de luz

rasgando o horizonte

numa cicatriz de fogo

sobre o teu cabelo,

que sempre me cheirava ao vento,

escapando-me por entre os dedos.

Hoje tudo permanece em mim

numa ausência tétrica

moldada pela lua cheia.

Todas as manhãs

em que o teu sorriso nos era promessa,

de todas as horas

em que nos tocávamos sem pressa,

e de todas as noites

em que a paixão

se escrevia num único verso

no corredor vazio da madrugada.

Anterior
Anterior

No rumor sereno das ondas

Próximo
Próximo

Mergulho