Mergulho
É manhã de Janeiro. E o céu pesa de cinza.
Com a mesma leveza com que te entregavas à água, mergulhaste no abismo do meu lado sombra. Ali, onde os medos se detêm em raízes fundas, revelaste-me a natureza do silêncio que sempre temi escutar do outro lado da percepção: que o escuro é tão parte de nós como a luz débil que perfura o véu de nevoeiro, e que cada ferida aberta é um sulco na pele da alma a respirar a nossa própria evolução.
Ainda sinto a reverberação do teu toque nos meus dedos, uma corrente elétrica a acender o silêncio, subindo pelo corpo até se alojar no chakra raiz onde o sangue flui lento como seiva.
Seguras-me o rosto com as duas mãos, firmes e certeiras, endireitando-me à força, para que os meus olhos ousem seguir o traçado de cada um dos teus ângulos quebrados. Prometes-me esperar por mim, e eu, em silêncio, prometo honrar o teu tempo.
Prometo encurtar o espaço entre nós, que a distância não passará de um eco. Mas o adeus, esse, não tem peso nem profundidade. É apenas um sorriso fugaz, uma promessa vazia de um futuro incerto.
Não soubeste esperar por mim, nem eu soube esperar por ti.
E a espera, que deveria ser um pacto sagrado, dilui-se ao toque das primeiras horas da manhã.
Julgávamos, talvez, que os ponteiros do nosso tempo rodariam para sempre, não por ambição de eternidade, mas porque antes, sem mim, tinhas alguma dificuldade em respirar. E eu, que só desejava que o teu ar fosse puro, fui-me esquecendo de aprender a inspirar sozinha.
Em que curva do caminho perdi definitivamente o teu olhar? Ou será que fui eu que o deixei em repouso no lugar que jamais tencionamos rever?
Por agora, vejo-te apenas através de uma janela onde a chuva se renova todos os dias.
Limpo o vidro na esperança de nitidez, mas ele nunca seca.
Porque é manhã de Janeiro. E o céu pesa de cinza.