Antares

Ao longe, Antares, o grande mistério há muito guardado pelo véu das distâncias cósmicas grita-nos o vigor dos incontáveis sóis que, ora vivem, ora morrem, na infinitude do seu ciclo.

Fora de pé, um cargueiro de gelo vai laminando a ondulação. Desliza lentamente pelo horizonte líquido que se expande do mais íntimo ao absoluto, rasgando-me brutalmente o pano do peito. Impaciente, desaperta-me os botões da alma deixando o avesso e o direito na mesma face.

Daqui vejo-a.

Mestra da maré, reguladora exímia do vaivém das marolas numa espécie de sapateado celestial por entre as falésias que, entretanto, o Inverno se foi encarregando de timbrar.

Há uma certa eternidade encantada nos seus olhos, um foco sobre a pequena aldeia à beira-mar onde um passado próximo nos parece etéreo num universo sideral. São as casas caiadas que no delírio típico da noite se erguem como guardiãs da tradição, testemunhas silenciosas de tempestades bravias, ventos furiosos e de amores que desafiaram a faina.

O que ela não sabe é que desde que afoguei os meus olhos no mar que trazias nos teus deixei de escrever e de cantar sobre amor. Sobre o amor tão efémero como o orvalho desmaiado sobre os álamos. Sobre as sementes que são mornas em Agosto.

Sobre a paixão que soube respeitar as grainhas da passagem do tempo por si mesma e que não definha como o casco dos botes que agora regressam a um estaleiro velho de limos de uma não ensaiada serenata ao mar.

Sobre a nómada solidão dissipada sobre as dunas, desejos contidos em poeira trémula com cheiro a flor de sal.

Deixo-me envolver pela brandura das coisas da terra e jamais pela cidade imóvel fisgada por linhas negras onde chove há muitos anos.

Daqui vejo-a.

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O fulgor do nosso silêncio está morto