Mar da Palha
A aurora é azul e a tristeza esgueira-se pelas vielas desertas, entrelaçando-se nos galhos desnudos pela força do quadrante norte nocturno. O mutismo do estuário, esse cronista silencioso que me relembra a fugacidade de todas as coisas, já não me incomoda.
Incomoda-me uma imperecível dificuldade em categorizar situações. A procura desenfreada pela relativização de acontecimentos recentes de maior tensão. A ausência de alquimias e uma necessidade primária de esvaziar tudo o que se foi acumulando ao longo das últimas semanas.
A descarga é feita pelas margens, nas primeiras horas da madrugada, perante o crepúsculo que tece o véu de todas as palavras já enraizadas nos escombros de solidão assentes na Cala das Barcas enquanto o rio enlouquece pela privação de oxigénio, deixando-me réstias de sal na boca.
O movimento em caleidoscópio, esse, é concluído em silêncio, numa melodia insípida e de poucas notas, à medida que as horas transitam devagar sobre os sapais que se elevam perante a sede que vai crescendo como a coragem.
Aquela que trepa por nós como uma hera em chamas. Aquela que sempre requer um medo para existir. Aquela que nos incita a caminhar longe, e perto de qualquer lugar.
E nenhum.