Leme Nulo

De leme nulo, tratei de fazer a travessia das correntes unicamente às escuras enquanto a noite se foi, tendo a selva de pedra despertado antes de mim. Todos os dias nasce uma cor cinza que os pássaros não deveriam repartir pela Terra.

Não, não deveriam.

Reparo que a memória vai esfumando fragmentos ao formar nuvens dispostas em manto sobre o batimento demasiado acelerado das avenidas, traçando com exactidão a cauda do fumo que se debruça sobre a edificação encardida, sem descanso, a fim de mudar, com cuidado, a cor do ódio ao amor. Mas é imperativo pôr de lado as cores puras para lhes conhecermos todos os contrastes e afinidades.

Onde me encontro continua a não ser noite.

E tudo aqui é demasiado opaco e grande em matéria. Mas serei vigilante perdida, não apenas nas vielas dos génios que se entorpecem lá em cima, como numa teia cintilante que me abraça, cinicamente, na metrópole acesa à distância, onde os amores teimam em não morrer indefinidamente.

E o amor que ainda não se definiu é como a melodia do rascunho incerto: deposita o coração ao largo onde o futuro é ontem. Fugidio e latente, como o acorde sonâmbulo do piano que se recolheu nas horas breves antes do seu tempo.

A cidade acorda. Oiço-lhe o cosmos na voz. A única voz.

Desta vez humana.

Desta vez utópica.

Anterior
Anterior

Disse o teu nome

Próximo
Próximo

Fios de Penumbra